O series finale de Fringe foi polêmico. Não por ter reviravoltas mirabolantes ou ser cheio de erros grotescos; o que causou a polêmica foi exatamente o oposto a tudo isso.
No começo da temporada final, tudo parecia muito chato. Mudando drasticamente a estrutura da série, que sempre foi um pouco “CSI com ciência de borda”, viu-se muito, mas MUITO claramente a mais clássica das narrativas guiadas pela jornada do herói. Havia uma busca, os heróis, mentores, dificuldades e claro, os vilões. Muita gente murchou com essa estrutura. Podem ter acreditado que o desgosto veio da mudança na fórmula, mas acredito eu que a verdadeira tristeza se dá no desgaste desse modelo e o quanto já se dá pra adivinhar no processo. E uma série que tinha como base suas histórias mirabolantes, de repente, cair nessa estrutura engessada, não pode deixar muita gente feliz.
E foi isso: seguiu-se uma cartilha. Qualquer um com um conhecimento básico das estruturas clássicas de roteiro poderia bancar o vidente e adivinhar inúmeras “reviravoltas” dessa temporada. A coisa foi tão corretinha que, se Syd Field (um dos que revelou a fórmula máxima para roteiros hollywoodianos) escrevesse um livro dedicado a roteiros de séries de TV poderia pegar as páginas dos roteiros de Fringe e usar como a regra máxima para uma narrativa coesa.
Não que isso seja de todo ruim. Há um problema com séries fundadas em tramas extremamente mirabolantes: nenhuma finaliza direito. Sempre ficam pontas soltas (X-Files, choro até hoje), ou se criam coisas mais mirabolantes ainda que fogem à credibilidade da história (qualquer sci-fi por aí), ou então ignora-se tudo de mirabolante e nos fazem engolir que a série sempre foi sobre as pessoas (Lost, estou olhando para você). Então quando uma série dessa temática consegue finalizar redondinha é algo a se comemorar. Até porque, além das pontas soltas, Fringe conseguiu agradar tanto aqueles que assistiam pelo lado sci-fi de viagens no tempo, controle da mente e etc; quanto os que viam pelo aspecto humano, seja mostrando a pieguice das relações de amor com Olivia e Peter ou então finalizando a temática que vinha desde a primeira temporada: paternidade.
Ou já nos esquecemos de Olivia relembrando sua relação problemática com o pai abusivo na infância logo na primeira temporada? Sem esquecermos da óbvia relação entre Peter e Walter, o sofrimento que virou rancor em “Walternativo” e, no fim, até mesmo o sofrimento de Peter e Olivia com sua filhinha morta (antes desaparecida) e a busca a qualquer custo pela solução que a revivesse – espelho total ao que Walter fez ao tirar Peter do outro universo. Ao mesmo tempo, homens carecas do futuro dominavam a sociedade lendo os pensamentos de todos e sumindo na frente de qualquer um em saltos temporais, praticamente invencíveis até encararem as bizarrices que surgiram da ciência de borda, ou os tais “eventos fringe” descobertos ao longo dos anos: toxinas que criavam monstros nos estômagos, que explodiam cabeças, criavam alucinações que viravam reais ou até fechavam todos os poros do corpo fazendo com que o indivíduo morresse sufocado.
Na verdade não dá pra falar de Fringe apenas citando as últimas horas do finale, até porque se qualquer cidadão desavisado resolver assistir os episódios sem nunca ter visto qualquer outro antes, ou sem ter a menor idéia dos detalhes da mitologia da série ao longo dos cinco anos não vai entender mais da metade da história. Foi praticamente um revival de toda boa parte da série, um agrado aos fãs que ao mesmo tempo serviu de base pra estrutura final do episódio. Quase um Moby Dick, com a diferença que o livro foi feito com essa intenção – e aqui os roteiristas se desdobraram com as pontas que já existiam ao longo dos anos nos roteiros. Tudo parece ter sido muito bem aproveitado, e quanto mais fã se era da série, menos dúvidas se tinha no final. Era só ver a tal toxina tampando os buracos de um observador que já relembrávamos do episódio em que Walter descobriu como aquilo funciona, porque era assim e como inibir o efeito. Cada número de apartamento, cada símbolo esquisito, a mão de seis dedos, até mesmo as viagens ao universo alternativo, tudo serviu para um propósito afinal.
Se foi bom tudo isso ou não, é a questão. Devemos ficar felizes por, finalmente, uma série terminar justa, coesa e sem aparentes pontas soltas? Ou tristes que, para que isso acontecesse, tivemos que entrar numa narrativa careta e redondinha, sem nenhum atrativo por si só? Talvez seja esse o custo. Da mesma maneira que Walter teve que se contentar em viver isolado no futuro por conta de seus atos, nós devemos nos contentar em ver uma série terminar bem, mas careta. É o que tem pra hoje.